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quinta-feira, 12 dezembro, 24
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Ventos da mudança sopram sobre Aurinha e Eric

A transformação foi iniciada pela cabeça – mais precisamente no que está dentro dela. Depois, vem a aparência. Tudo acontece bem lentamente. Mudar é um processo difícil e longo. Doloroso, até. Trocar a imagem que viu no espelho durante quase toda a vida demanda ainda mais tempo. Não é simplesmente uma adaptação. Deixar de ser menino ou menina para se tornar trans é um protocolo – analogia para situação complicada, difícil.

Eric Naveers e Aurinha, adotaram estes nomes sociais e como tais preferem ser chamados. Ambos, aos 18 anos, experimentam as delícias e dificuldades de serem o que querem, numa imersão no mundo que querem viver. Os dois adolescentes não se viam como gostariam. São um garoto e uma garota trans. Decidiram que enfrentariam tudo e todos para virem no espelho as suas imagens reais, antes imaginárias.

Há pouco mais de dois anos, Eric decidiu que deixaria aflorar o seu lado masculino. Primeiro contou à sua mãe o seu segredo e desejo mais íntimo. Aurinha desde criança sentia a vontade de mudar. Era um menino com alma de menina. Contou à mãe dela que gostaria de se tornar mulher – elas, ao contrário dos pais, sempre são as primeiras a saber. Dizem que ambas, depois do impacto inicial, não colocaram nada para que o fluxo das suas histórias fosse interrompido. Elas, as mães, sempre se mostram mais compreensivas.

A coragem pessoal deixou-os leves para serem levados pelos fortes ventos da mudança que inflam as velas abertas por ele e ela.

Os pais e alguns parentes não absorveram bem suas decisões, dizem. Mas seguem em frente, de cabeças erguidas, mostrando sinais exteriores que mudaram suas vidas, como cortes de cabelos e roupas mais largas para ele e mais justas para ela, para mostrar as curvas que começam a aparecer. Reconhecem que identidade de gênero é complicada.

Aurinha revelou que o relacionamento explosivo com o pai a levou a sair de casa há um ano. “Não suportei as piadinhas deles”, disse com relação aos parentes. Sair ou ser expulsa de casa é comum em se tratando de uma filha trans. É mais fácil repreendê-los do que entender as suas razões – não desculpas. É vida que segue.

Eric, que se define como pansexual, por não ter problemas relacionado ao gênero, ironiza ao afirmar que parentes, contrários aos seus desejos, revelam esperar que a sua decisão seja passageira, uma fase de rebeldia e que dentro de pouco tempo ele vai mudar de ideia. Afirma que não, pois a sua decisão é definitiva. “A falta de informação levou ao desenvolvimento tardio”, diz, com relação às mudanças. Parentes ainda insistem – não sabe se por provocação – em chama-lo pelo nome de batismo. Diz não gostar.

Ao assumir-se, resolveu a crise de identidade que a afligia, Revelou que com o pai as coisas não andam bem e o definiu como homofóbico – se afastou de quem pensa e age assim. “Falamos apenas o necessário”. Para ele, cidades pequenas são conservadoras. Rodelas não seria diferente. Comenta que fazer o que eles (familiares) esperavam não estava nos seus planos.

Aurinha disse que desde criança se sentia mais menina do que menino. “Brincava de boneca e gostava de roupas de mulher”. Mas os seus desejos eram compartilhados com um grupo pequeno de amigas. A decisão de assumir-se mulher trans aconteceu há cerca de um ano e meio. Contou com o incentivo da trans Nayara Kelly e de amigas, que lhes doaram roupas femininas. Neste período começou a tomar hormônios femininos para que o seu corpo ganhe contornos femininos. Problema: se automedica.

Eric, que pretende ser biomédico, está em processo de mudança de nome – o social se tornará definitivo. “Nome social é afirmação”. Mas a voz ainda o deixa encabulado. O tom é de um garoto entrando na adolescência. “Me sinto desconfortável com a minha voz”. Quem o ouve não o reconhece como um rapaz. Diz que não quer pelos em abundância ou músculos definidores – não gosta dos padrões brasileiros para beleza masculina. Quer uma voz mais grave, típica dos homens.

Afirmam que não se sentem discriminados e contam com o importante apoio dos colegas de classe – ambos estão no terceiro ano do ensino médio. Tampouco absorvem os comentários maldosos que ouvem nas ruas. O que os outros dizem não importa. Sabem que não estão livres do preconceito que existe nas grandes e, principalmente, nas pequenas cidades. São provas vivas de que o sonho, o desejo são possíveis se concretizam quando há vontade de realiza-los. No caso deles, adiciona-se muita coragem.

Superaram os medos interiores sobre a reação das pessoas nas ruas. Dizem não se importar com os comentários negativos – superaram esta fase de cabeça erguida. Assumiram-se como queriam ser. Mas não levantam bandeira alguma. A não ser a pessoal. Não vivem no passado e o futuro que seja bem vindo e sem barreiras.

Por Batista Cruz

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