Mais de uma vez já declarei que sou fã juramentado de Rubem Braga, um dos maiores expoentes da crônica no Brasil. A admiração é antiga: num livro escolar – era de Língua Portuguesa – na remota sétima série, deparei-me com uma crônica do “Velho Braga”, como os amigos o apelidaram. Era “Recado ao Sr. 903”. Li-a muitas vezes ao longo do ano letivo, em inesquecíveis manhãs de sol. Naquele tempo, já era refém de certa disposição para a escrita. Embora ainda não soubesse definir – tinha só 13 anos – a profunda poesia daquela prosa me encantou.
Adulto, aqui ou ali fui adquirindo livros, consolidando a admiração, que só aumentou ao longo dos anos. Nas andanças da vida visitei muitos sebos e, em alguns deles, encontrava uma ou outra publicação mais rara. “Crônicas do Espírito Santo” e “1939: Um episódio em Porto Alegre” são alguns títulos que encontrei ao acaso, em São Paulo, em Porto Alegre.
As maravilhosas possibilidades oferecidas pela Internet reforçaram essa afinidade. Pesquisando aqui ou ali, encontrei sites como o do Instituto Moreira Salles (cronicabrasileira.org.br) , que reúne crônicas do autor e, noutro, está à disposição parte do acervo do Velho Braga, que não foi selecionado para figurar em suas exigentes seleções de textos. O endereço eletrônico é: <http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=acervorubembraga&pagfis>.
O que mais me chamou a atenção nesse acervo, até agora, nem foram as crônicas. Mas um carta breve, encaminhado ao editor do Caderno 2 do Jornal Estado de São Paulo em 5 de janeiro de 1987. Naquele início de ano, Rubem Braga estreava no jornal e remeteu o texto – datilografado – para fazer alguns esclarecimentos e orientar sobre como receber o pagamento.
A carta para o editor, Luiz Fernando Emediato, começa assim: “Aí vai a primeira crônica. Contaram-me que a minha colaboração foi anunciada há dias, mas não vi. Vou ter que tomar uma assinatura do ‘Estado’”. A dificuldade do autor era comum naqueles tempos em que as mídias digitais sequer existiam e o acesso a publicações restringia-se aos impressos.
O melhor vem na sequência: “Se v. der alguma nota ao pé da Crônica, é favor não dizer que trabalho no jornalismo da TV – e muito menos da TV Globo. A história que eu conto é verdadeira, e isso poderia dar muito constrangimento”. O autor referia-se à primeira crônica encaminhada naqueles dias. Mas, afinal, do que tratava o texto?
A crônica “Ai de ti, beijo na boca” abordava um episódio rumoroso: uma atriz de novela recusara-se a contracenar – e a beijar – um ator pelo fato dele ser homossexual. Temia contrair Aids, ela vinha de uma experiência traumática com um namorado que revelara ser bissexual e que temia ter contraído a doença. Ficara o trauma. Daí a desistência e os comentários, que se espalharam.
Imagino que, prudente, o Velho Braga desejava evitar qualquer referência à Rede Globo, onde trabalhava. O texto saiu sem a alusão à sua condição, conforme sugeriu. A carta é arrematada com recomendações referentes ao pagamento: “Peço ver desde logo como será o pagamento, se quinzenal ou mensal; devo dizer que tenho uma pequena firma para essas coisas”.
Tudo indica que a carta foi incorporada ao acervo acidentalmente. É que uma anotação à margem traz uma advertência, de junho de 1991: “[nome ilegível] pediu para retirar da pasta de crônicas”. Não consegui decifrar o nome de quem fez a solicitação, nem porque o documento foi mantido. Mas o fato é que está lá, à disposição de pesquisadores e fãs do imortal cronista brasileiro. Note-se que, à época da recomendação, Rubem Braga já havia falecido.
O acervo é extenso e as publicações trazem muitas anotações à mão, provavelmente do próprio Rubem Braga. Cobrem, praticamente, todo o período de atividade do cronista, desde os anos 1930 até às vésperas de sua morte, em 19 de dezembro de 1990. Para quem aprecia a boa leitura, é uma opção e tanto!