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sábado, 29 junho, 24
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Sales Barbosa

“SE NON É VERO”

CAMINHANDO DE MÃOS DADAS COM A POESIA, PELA RUA SALES BARBOSA, ANTIGA RUA DO MEIO, PELO ROMANTISMO FEIRENSE.

” O NARIZ” DO ROMÂNTICO FEIRENSE.

Cristovam Barreto, poeta, rábula, de Oliveira dos Campinhos, desenha o nariz de Sales Barbosa (1862- 1888) no posfácio de Cavatinas (1885). Segue a descrição do amigo, nela, flagramos Sales Barbosa, esguio, magríssimo, um corpo mais próximo, apresentando-nos um nariz que parece sentir-se percebido, tocado, examinado, reconhecido pela literatura Romântica e pela memória feirense:

Agrada-me vê-lo surgir longo, descarnado, impassível, alardeando um nariz que lhe ocupa soberbamente o terço da parte superior do corpo, desde a sutura coronal à espinha externa do mento […]. Não nos ocorre ter visto nariz igual, mais expressivo nobilitar a face de um rapaz

[…], Exótico no traje, Sales parece querer assim, o vaidoso, disfarçar o que alguns supõem as incorreções de seu físico, por um estudo de efeito mais ou menos atenuante. Em nossa opinião corre por conta dele: o feio, que se amaldiçoa – “de não ser mais feio ainda”. (BARRETO APUD BARBOSA, 1885, p. 138).

Cristovam Barreto tece no posfácio do livro a descrição do amigo contemporâneo, abraçado, sentindo de alguma forma sua presença:“[…] Insistimos nisto com muito maior fundo de razão do que se imagina. Resumo do cérebro, o nariz acentua Sales e causaria espasmos de admiração gostosa a Vernet, pintor e frenólogo”. (BARBOSA, 1885, p. 138). O amigo Barreto, crítico, rábula, também poeta, praticamente apresenta-nos a caricatura do autor de Cavatinas. Ao expor de forma exagerada o tipo físico do poeta, também, se revela Romântico, um provocador que utiliza das lentes distorcidas.
No trecho do posfácio, Cristovam Barreto retrata o poeta feirense e a sua poesia, o mote Se non é vero prepara a narrativa, nela, observamos a “ironia romântica”, “de não ser mais feio ainda”. No poema encontraremos as marcas do poeta francês Victor Hugo (1827 APUD ECO, 2008. P. 281):
[…] o belo tem apenas um tipo, o feio tem mil […] Pois o belo, humanamente falando, nada mais é que a forma considerada em sua relação mais elementar, em sua simetria mais absoluta, em sua mais íntima harmonia com o nosso organismo […] Aquilo que, ao contrário, chamamos de feio é o detalhe de um grande todo que nos escapa e que se harmoniza, não com o homem apenas, mas com a criação inteira (HUGO, 1827 apud ECO, 2008, p. 281).
O poema Se non é vero, de Sales Barbosa, atende o mote para dar impulso, continuidade ao poema, à força da expressão do que não se pode alcançar:

SE NON É VERO

Toda à tardinha – ao portão
Do jardim quando o céu morre
Como uma gazela, corre
Para ir ver um rapagão

Feio, que se amaldiçoa
De não ser mais feio ainda…
Entretanto Ella é linda
Como uma pomba que voa!

Ele faz versos… E ela
Gosta das musas! Brejeiro…
Por isso quando passava

Por lá… No mês de janeiro
A pequenina o estudava
Com bisnagas de cheiro!
(Boa Viagem)
(BARBOSA, 1885, p. 77).

Leitor de José Alencar (1991), Sales Barbosa parece convidar-nos à uma aproximação da obra A pata da gazela (1991-1870), quando traz na primeira estrofe do poema: “Como uma gazela, corre…”, no qual, através do arranjo de signos e símbolos, utiliza do fetichismo para reafirmar o amor romântico como modelo para as relações burguesas. Ao correr na imagem tal qual uma gazela, traz os pés, as botas, o feio, a pomba, o brejeiro, a musa, como símbolos e signos, a prosa.

O poema Romântico encarregou-se do cotidiano sedutor, do grotesco e do ideal de beleza burguesa. O “eu” lírico nos sugere: prepare-se, apure os ouvidos para acolher “o berro no meio de uma sinfonia”, da obra A pata da gazela; o pé deformado sustenta a beleza angelical. Bem como perceber o percorrer a poesia dos jardins, dos namoros no portão de Álvares de Azevedo.O poema, ao gosto desse romântico cavalga no seu “Namoro a cavalo”, descreve as travessuras e delícias da cortesia e da conquista amorosa. O fato de serem amores de férias lembra também o romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo (1844).

Na narrativa consagrada, há apostas, promessas, cartas com certo ar de promiscuidade e vilania da juventude. Nesse sentido, a época é propícia à conquista dos desejos das gerações de leitores jovens, com termos como gazela, pomba, musas, bisnagas de cheiro (maquiagem perfumada). Este último termo evoca o tempo presente, da imagem pessoal e da indústria da beleza realçada ou construída, e a moda da época. O poema, na primeira e segunda, estrofes, inscreve as marcas do romântico provocador, intenso, que carrega a corcunda de Quasímodo, nele, toda a deformação, toda imperfeição do mundo: “o feio que se amaldiçoa de não ser mais feio ainda” e, entretanto, “Ela é linda como uma pomba que voa”. Revela-se então o desejo de sublimação.

Sales Barbosa nos traz o poeta francês Victor Hugo e a sua leitura – de que a arte nada mais é que autossugestão e ilusão: um feio que faz versos, logo mescla o grotesco com o sublime. No final do século XIX, “o feio” na sua forma de expressão, apropriou-se dos exageros do rosto: tamanho das orelhas, da calvície, do queixo, da testa. Observemos os adjetivos que Cyrano de Bergerac, da obra de Edmond Rostand, usa para caracterizar seu nariz “[…]. Será bambo… ou tromba? Um bico de coruja… Torto? Terá feições de aborto?

Cintia Portugal (2016)

Feira de Santana-Ba.

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