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Feira de Santana
sábado, 2 novembro, 24
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Reais e metafóricas tempestades de raios

Navegando pela miríade de sites noticiosos que exigem atenção, acabei encontrando uma informação espantosa: num intervalo de três dias, 73 mil raios caíram na Bahia. Vi também fotos de árvores caídas, referências a milhares de chamados para a concessionária de energia, muito alagamento pela triste Bahia sem esgotamento pluvial. Mas prefiro recordar o soberbo espetáculo que presenciei na noite da Sexta-Feira da Paixão.

Não foi nenhuma cerimônia católica, pois a Feira de Santana estava deserta e silenciosa, mas sim os raios que se estenderam por toda a região a oeste do Anel de Contorno. Raios monumentais, pálidos, metálicos, que avermelharam imensas nuvens sanguíneas. Calculo que foi longínquo, pois não se ouvia o barulho tremendo dos trovões.

O silêncio era o que tornava tudo mais soberbo. Como numa tela de cinema mudo, eram as imagens que magnetizavam o espectador. Foi longo e majestoso o espetáculo, estendendo-se pela madrugada. Naqueles dias e mesmo à noite – é bom lembrar – o calor oprimia, implacável, sem trégua.

Depois vieram as chuvas, que se prolongam ao longo da semana. Com elas, à noite, o céu feirense resgatou aquela coloração avermelhada, comuns nos períodos chuvosos, quando as nuvens rolam, baixas, lentas. Enquanto escrevo, assalta-me a sensação que invisto na crônica do irrelevante, das reportagens mortas. Afinal, neste país de tantas urgências e tantas novidades eletrizantes, o leitor certamente enfada-se, questionando da criatividade do autor.

Talvez seja uma espécie de fuga entreter-se com a natureza, com os violentos fenômenos climáticos. Afinal, os escassos passantes não se ocupavam com o céu: avançavam apressados, tangidos por suas ocupações, amedrontados pela violência urbana. Mas é que às vezes julgo mais agradável dedicar-me à contemplação que ao noticiário abjeto que escorre num fluxo ininterrupto, malcheiroso, repugnante, feito esgoto.

À noite o cidadão pacato precisa de um armistício porque ao longo do dia as mazelas saltam à vista o tempo todo: larápios avançando sobre os cofres públicos, sigilos de 100 anos, as regalias verde-oliva – da medicação para a calvície ao Viagra, passando pelo salmão e pelas cervejas nobres –, os pastores regalando-se nos lobbies, no acesso franqueado às mamatas.

É triste e sem perspectiva a situação atual do Brasil. A maioria da população, coitada, é incapaz de enxergar a encruzilhada, o beco sem saída. Que fazer, então? Firmar-se na natureza, cultivar a convicção – esperança? – de que lá, mais à frente, possa-se, pelo menos, resgatar alguma dignidade, não deparar-se só com a barbárie.

Cai uma chuva miúda, melancólica, sobre a Feira de Santana. O céu encoberto filtra uma luz acinzentada, triste. Nesse cenário, o que a natureza ensina? Que, por mais que a chuva se prolongue, mais à frente virão manhãs límpidas, de céu luminoso. Que assim seja.

Por André Pomponet

 

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