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quinta-feira, 12 dezembro, 24
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O lúbrico combatente do “comunismo de costumes”

Deu trabalho, mas o homem reapareceu no conjunto Feira 6. Enxugava litrinhos de R$2,50, beliscava mortadela – a mais barata – em cubos, examinava as estudantes da Uefs com o olho acurado, aceso, lúbrico. Não era de negar fogo, parecia insinuar, lançando olhares venenosos. Mas, na verdade, aproveitava a tarde vadia, plácida, de céu azul pontuado por nuvens encardidas, escorrendo mansa. Foi pouco antes do começo deste ciclo de chuvas.

À primeira vista, tomariam-no como um idoso pacato, estritamente dedicado ao ócio da aposentadoria. Mas, não: bastam algumas palavras para perceber, na personagem, o fervor patriótico, a flama cristã, o engajamento cidadão, o entusiasmo de cruzado contra o “comunismo”, contra a degeneração socialista.

– Esse negócio de inflação é coisa dos comunistas, estão manobrando, prejudicando o capitão!

Os dados mais recentes saíram do forno faz pouco tempo: inflação de 1,06% em abril – maior alta desde 1996 – e, no ano, já roçando 4,29%, aproximando-se do teto da meta do Banco Central para o ano todo, de 5%. No acumulado de 12 meses, chega-se a impressionantes 12,13%. Mas o homem permanece inflexível, farejando culpados, inocentando Jair Bolsonaro, o “mito”.

– Tem guerra, teve pandemia, teve o ‘fique em casa’. O resultado está aí! – Recitou, acariciando a própria perna. Parecia autocongratular-se pelo raciocínio. Sorriu, o sorriso denunciando a vaidade, a refinada perspicácia. Para ele, aquele argumento emparedava os comunistas, punha-os na defensiva.

– Mas comunista aumenta preço como?

Aí o homem enfezou-se, fez um gesto largo, indignado: não vale a pena ficar discutindo com radicais, com essa turma da Venezuela, de Cuba. Pressionado, confidenciou, falando baixo, lançando olhares de esguelha: o “mito” não é culpado de nada, os comunistas conspiram, há adversários até entre banqueiros, gente do Capital, que também é comunista. “Comunista rico?”, indagaram, perplexos. “Comunismo de costumes”, esclareceu.

– Mas e a feira? Você está fazendo feira como? – Questionou um indiscreto.

Muito sério, o homem disse que é aposentado, mas que, mesmo assim, se precisar, a filha ajuda. Acrescentou, o ar pedante: “Ela é doutora em direito!”. Instantes depois, um indiscreto cochichou: a filha graduara-se em direito por uma faculdade particular, no Brasil qualquer bacharel sai logo requisitando o título de “doutor”, a distinção que a condição, supostamente, confere.

– O comunismo de costumes é o quê?- Quis saber outro indiscreto.

A careta teatral indicava que aquele papo abespinhava-o. Depois fez um gesto enfático, desdenhando a conversa, que não valia a pena. Coalhado de comunistas, – outros estão em formação ali mesmo, a incubação é incessante – o Feira 6 carecia de uma depuração ideológica, a devassidão dos costumes fincara-se ali. Falava mas, sem tanta discrição, espichava o olho para toda estudante que despontava nas cercanias. A plateia acompanhava o movimento, o riso no canto do lábio.

Espichou um pouco mais a conversa sobre as práticas comunistas – até no futebol se metiam! – e, por fim, entornou o gole derradeiro da cerveja, catou ávido com o palito os fiapos de mortadela no prato, emendou pedindo a conta. Sacou uma nota amarrotada de vinte reais, estendeu-a com um gesto solene, lamentou a idade, justo com tanta mulher bonita circulando por aí, ah! Se fosse no tempo do regime militar, era jovem e não faltava-lhe ânimo…

Saiu, mergulhando num caminho escuro, mais à frente viu um grupo de moças conversando aos risos defronte a uma casa iluminada, aproveitou para repuxar os testículos com a mão sobre a bermuda branca, ah se aquelas meninas cedessem à sua já flácida experiência…

Por André Pomponet

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