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sábado, 18 maio, 24
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Dos jornais impressos ao jornalismo artificial

André Pomponet

A banca de jornais ficava bem na bifurcação entre as ruas Arivaldo de Carvalho e Landulfo Alves, no começo do Sobradinho. Era final dos anos 1980 e, ali, também funcionava o antigo bar Ferry Boat. Hoje existe apenas um posto de combustíveis. Pois bem: saí da banca com o exemplar de A Tarde exalando o cheiro de tinta característico dos jornais. Tinha 13 anos e pretendia ler o jornal, imitando alguns parentes.

Era mês das Olimpíadas de Seul, na Coréia do Sul. Na capa, atletas da Seleção Brasileira de futebol fazendo alongamento, o uniforme azul. No noticiário internacional a deterioração da saúde de Hirohito, o imperador japonês. Nunca ouvira falar da figura, mas deduzi que era gente importante, porque a matéria era longa.

Li atento o noticiário policial. Como sempre, noticiava-se uma troca de tiros, destacava-se a foto de um jovem negro, morto, sobre uma maca no Hospital Roberto Santos. A versão oficial era de confronto com a polícia. Havia, como sempre, notas sobre algumas desgraças ocorridas pelo interior, mas não recordo delas.

Desde então, de vez em quando, mas, sobretudo aos domingos, embrenhava-me na leitura de A Tarde. Lia também o Feira Hoje. Sequer imaginava que, anos depois, começaria a vida profissional na redação deste extinto diário feirense. 

As fotografias do esporte, os textos precisos do noticiário internacional – a identificação das agências de notícias vinha em negrito –, o noticiário local, eletrizantes matérias policiais, tudo isso foi me fisgando nos anos seguintes.

Anos depois, o jornalismo digital começou a substituir o impresso. Alguns ainda subsistem, resistindo enquanto existe quem prefere a leitura no papel, palpável. Mas, pelo visto, quem demanda impresso é uma minoria habituada àquele formato, mais velha e que, aos poucos, vai desaparecendo. Obviamente, figuro neste contingente.

Trocar o impresso pelo digital nem foi tão difícil. Problema é o que se produz hoje, sobretudo nos grandes veículos. Em boa parte do conteúdo, o interesse público foi substituído pelo interesse do público. E do público mediano, sem brilho, vulgar. Daí a profusão de tretas de famosos, de orientações sobre o que comer, o que vestir, como se comportar, etc. Descontando isso, sobra quase nada para ler.

Até o noticiário mais sisudo – como o político e o internacional – renderam-se. Na política, quase tudo é treta de político, polêmica inútil; no internacional, tornou-se comum ver animais fofos fazendo uma estripulia qualquer nalgum remoto lugar do planeta. Em suma, foi-se o jornalismo impresso e ficou o jornalismo artificial.

Enfim, o papo começou a se alongar e o final de semana vai se aproximando. Melhor abandonar essas idéias e ver o noticiário sobre o clima, checar se é possível pegar alguma praia neste começo de outono, combinar um desses eventos que preenchem a agenda no fim de semana.

 

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