Sempre escrevo no computador. Só lá nos primórdios, no fim da adolescência, é que escrevia à mão. Hoje – não sei por que raios – resolvi recorrer à esferográfica para registrar a tarde de
domingo que escorre, mansa e luminosa. Assim, anoto que a letra, quase indecrifrável, vai aos
poucos ocupando o papel, estreita e torta.
Vejo que o vento sacode, num farfalhar, as palmeiras imperiais. Sacode também a copa
atarracada das sibipirunas que ostentam uma vagem verde. Em algumas árvores, porém, as
vagens secaram, eclodindo e liberando as sementes num estalido que é, ao mesmo tempo,
alegre e monótono.
O rádio ligado na Subaé AM toca canções antigas, que transportam a memória vadia para o
passado. Esta volta, ao sabor da sequência musical, é como num filme. Mas um filme sem
cronologia, sujeito aos vaivéns da play list da emissora. Às vezes a voz feminina do computador
interrompe a transmissão, informando as horas.
O sol morno banha de luz as fachadas dos prédios feirenses. Há silêncio só em alguns
momentos, pois os sons de uma festa distante vêm morrer sob a janela. No rádio, um casal
afinado canta uma canção de um tempo que não vivi. Tento imaginar quem canta. A dúvida é
insolúvel. Canção triste, de invocar pensamentos suicidas.
Vendo o céu azul, deu vontade de escrever. Sempre dá, pois é impressionante essa luz do
inverno. Os pássaros, que estavam calados, resgatam o chilrear habitual do fim de tarde. Até
os ruídos dos motores dos carros parecem contidos, condoídos pela tristeza, pela letargia do
domingo. Vejo bem longe o vale do Jacuípe, azul na tarde azul.
Surgem, então, nuvens encardidas que encobrem o sol. Tudo assume um tom opaco, a luz do
sol nas fachadas ganha uma coloração metálica, fosca. Noto que as sombras também vão se
espichando, anunciando a noite de domingo, que, no inverno, se antecipa. É, enfim, a noite de
domingo com sua melancolia, sua desolação e seus presságios.
Com o céu amarelado do poente, é hora de lançar o texto na tela luminosa do computador. O
texto ia findar por aqui, pensava desfechos insossos quando, na sala, me deparo com um
panfleto que jogaram por baixo da porta.
Anoto, à guisa de conclusão: “Cansou de tentar mudar sua vida… amorosa, financeira, profissional, familiar, mas nada acontece e você continua frustrado? Nem tudo está acabado!
Se você continuar tentando sozinho, só ficará ainda mais cansado. Busque Deus…” e por aí vai.
O que mais me chamou a atenção, no entanto, foi um registro em letra miúda, no rodapé do
verso: “Não nos responsabilizamos pela distribuição desse material de ajuda espiritual.
Mantenha a cidade limpa. Não jogue esse folheto em via pública”. Aí arrematam, citando a Lei
Municipal 14.517, de 2007, da Cidade de São Paulo.
Embora esteja aqui na Feira de Santana, obediente, descartei o panfleto na lixeira…
Por André Pomponet