Nem todo mundo lembra – ou possui idade suficiente para recordar – mas a famigerada Feira do Rolo já aconteceu na maltratada Praça Froes da Mota, no centro da Feira de Santana. No começo dos anos 1990 surgiram os primeiros vendedores e, também, os primeiros consumidores. Com o passar do tempo, o comércio foi se expandindo, ganhando fôlego. Os tempos eram ásperos: estagnação econômica, inflação galopante e escassas oportunidades de trabalho empurraram muita gente para aquela ocupação precária.
As Feiras do Rolo –arranjo comercial de quem sobrevive no sufoco – sempre carregaram um forte estigma: nelas, desaguavam os produtos de furtos e assaltos, sobretudo daqueles bens de fácil transporte e comercialização. Não deixa de ser verdade. Por isso a ojeriza a esses espaços é sólida, arraigada Brasil afora.
Mas é verdade também que muita gente apela à Feira do Rolo para fazer dinheiro rápido num momento de aperto financeiro, desfazendo-se de algum bem. Na Froes da Mota exibiam-se bicicletas, micro systems – vistosos aparelhos de rádio com toca-fitas –, ventiladores, câmeras fotográficas, chuveiros elétricos, ferramentas e o que mais pudesse render algum dinheiro na triste Era Collor.
Alguns comerciantes estendiam plásticos pretos e arriscavam o sustento numa incessante compra-e-venda. Quando se fechavam negócios, impressionantes maços de notas saltavam dos bolsos, trocavam de mãos. O dinheiro, naquele tempo, não valia nada, a inflação era voraz. Tudo se desenrolava sobre os paralelepípedos azulados da praça e sob as sombras dos oitis.
Os intermitentes soluços de prosperidade que o Brasil experimentou desde então reduziram esse comércio paupérrimo, quase miserável. Tanto que suas recordações mergulharam no fundo da memória durante algum tempo. Avivaram-se só em algumas andanças por países vizinhos, como o Chile e a Colômbia. Neles, notei que, neste mercadejar, há um traço cultural marcante, que não se limita à pobreza e ao desemprego.
Mas, no Brasil, a partir da eclosão da crise econômica de 2015 e da estagnação dos anos que se seguiram, esse comércio se reavivou. Na Praça XV, no centro do Rio de Janeiro, o tradicional comércio de antiguidades nas manhãs de sábado – objetos antigos encantam portugueses – mesclou-se à mesma penúria exposta nas Feiras do Rolo. O que há de diferente é parte dos produtos: celulares, carregadores, baterias, cabos, conectores, toda a parafernália eletrônica que invadiu a vida contemporânea.
Na Feira de Santana, depois da Froes da Mota, a Feira do Rolo foi encontrar abrigo nos fundos do SAC, ali na Olímpio Vital. Por aqui, ela passou por uma mudança estrutural: o impulso ao comércio de rua – tocado por camelôs e ambulantes – gerou ocupação para muita gente, absorvendo mão-de-obra. Embora precárias, estas ocupações são melhores que mercadejar nas Feiras do Rolo.
Por outro lado, a natureza descartável dos produtos modernos – e o preço mais em conta em função da vertiginosa expansão da indústria chinesa – refreia a necessidade por muitos produtos antigos, já utilizados. Tudo é descartável e só quem vive muito sufocado pela pobreza é que recorre a esses espaços. Embora, ultimamente, a pobreza venha aumentando, graças ao desgoverno de plantão.
Caso cresçam novamente, como se refrearão as Feiras do Rolo no Brasil? Temos uma fórmula toda própria: as polícias, as guardas e os rapas que, como se vê, vão de vento em popa…
Foto: Luiz Tito