Nem mesmo a chuva persistente conseguiu silenciar os tambores e trios elétricos que ecoaram pelas ruas de Feira de Santana durante a Micareta 2025. O barulho ao longe atravessava a madrugada e, para alguns, parecia prenúncio de fracasso. Mas a festa surpreendeu, mostrando que sua alma pulsa além das aparências — pulsa no coração do povo.
Entre os que se impressionaram com a vitalidade da Micareta está Armando Sampaio, empresário, escritor e observador atento da cultura popular. Armando, que nos anos 80 e 90, como secretário de Turismo no governo Colbert Martins da Silva, organizou diversas micaretas, compartilhou em suas redes sociais uma crônica sobre o episódio.
“Ainda ontem à noite, falei para o meu travesseiro que a Micareta deveria ter sido muito ruim e desanimada”, escreveu. “Afinal, a chuva não deu trégua.”
Mas, na manhã seguinte, teve sua percepção transformada por um relato inesperado.
“Foi minha secretária quem me deu a notícia, ao chegar logo cedo. Como todos os dias, eu estava à mesa da copa fazendo meu leve desjejum. E ela, com a alegria de quem vive plenamente, contou que tinha se esbaldado nas noites da Micareta.” O comentário, feito com naturalidade por quem vive entre a roça da família e o cotidiano da cidade, emocionou Armando — e lhe provocou uma saudável inveja.
Para ele, o episódio revela uma verdade que muitos ignoram: a Micareta continua sendo uma festa do povo. “É preciso que os defensores do fim da festa compreendam: o povo simples, que não pode pagar por viagens ou por shows caros, adora a Micareta”, ressaltou Armando, empolgado. “Essa gente não estica feriadão, não frequenta camarotes, não vê seus ídolos de perto — exceto quando eles descem à avenida.”
A fala de Armando se inscreve em uma discussão mais ampla sobre o valor das manifestações populares, que muitas vezes são alvo de críticas elitistas ou olhares desinformados. Para ele, é urgente descer dos degraus da arrogância e reconhecer o carnaval fora de época de Feira de Santana como o que ele é: um imenso baile público, expressão legítima da cultura popular baiana.
“Não atribuam pecado à genuína festa baiana”, defendeu. “Não demonizem o grande baile popular. Vão buscar demônios em suas próprias consciências, pregações e ambientes. Viva a Micareta!”
A fala de Armando toca fundo porque não é apenas uma defesa da festa — é também uma convocação ao respeito e à escuta. A Micareta, afinal, nasceu da criatividade do povo e, apesar de ter sido apropriada em parte por interesses políticos e econômicos, ainda carrega em seu núcleo a essência do sonho coletivo, do riso compartilhado, da rua como palco de alegria.
E se o povo ainda sonha com a festa — por que não realizá-la?
Fonte: Everaldo Goes – Feira Hoje
feirahoje.com.br








