André Pomponet
Vejo no noticiário que Machado de Assis – o maior dos escritores brasileiros – está ingressando numa nova onda de reconhecimento lá fora. Por aqui, depois que lhe grudaram o rótulo de chato, ultrapassado e antiquado, o autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” vive meio esquecido. Anos atrás, surgiu até a ideia de arranjar quem “reescrevesse” sua obra para torná-lo mais palatável. Coisa de País cuja população é pouco afeita à leitura.
Em meados de 2019 adquiri um alentado exemplar com uma seleção de seus melhores contos. Na fila do caixa pensei que poderia estar jogando dinheiro fora: “Esses contos e todos os demais estão disponíveis na Internet. Besteira comprar este livro. Melhor escolher outro título, cujo conteúdo não está disponível”. Venci a hesitação e segui em frente.
Durante meses o exemplar ficou à espera de leitura. Veio a pandemia da Covid-19, o isolamento e as noites longas, cheias de expectativas. Resgatei o livro do armário e, sob o silêncio quase inquebrável dos fins de noite, mergulhei nos 50 contos e nas centenas de personagens que povoam aquela seleta.
Redescobrir o “Bruxo do Cosme Velho”, como o apelidaram, foi uma experiência fascinante. É evidente que o leitor maduro faz uma leitura mais qualificada que a do adolescente que lê preocupado só com a nota da prova, como li pela primeira vez. Na maturidade a leitura é lenta, repleta de encantamentos a cada página, a cada parágrafo, a cada frase, até.
Machado de Assis, porém, representou algo mais que uma agradável – ou fascinante – experiência literária. É que aquele encadeamento de palavras, o ritmo leve imposto às frases, a refinada arquitetura dos parágrafos, páginas e páginas que absorvem o leitor, tudo aquilo se harmoniza de maneira magistral, resultando numa obra de fôlego.
À medida que lia, sentia uma paz crescente, uma serenidade que só encontrei na obra de outro brasileiro genial: o baiano João Gilberto. Ouvinte ávido de João Gilberto, sentia em sua canções essa placidez. Sentir a mesma paz nas frases de Machado de Assis, no entanto, foi experiência ímpar, até pela própria natureza mais cerebral da literatura.
Quem escreve captura o leitor, subordina-o ao seu ritmo. Mas isso é coisa de gênio. Machado de Assis é um deles, indiscutivelmente. Seu ritmo é um ritmo lento, pausado, até desperta em que lê a sensação de estar no pacato Rio de Janeiro de meados do século XIX. Diferente do ritmo frenético do Germinal de Émile Zola ou do perturbador Dostoiévski de Crime e Castigo. Diferente, mas genial como ambos.
Imagino que, com mais Machado de Assis nas escolas, o Brasil não estaria hoje flertando com o abismo, vulnerável ao caquético civismo-militar que se pretende implantar em nossas pobres escolas. Enfim, o ideal seria menos coturno, mais Machado de Assis.