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“Tarja Branca, medicamento” sem contraindicações!

Creio que você já deva ter ouvido falar no termo “tarja preta”, os chamados “remédios controlados”! É um termo que indica que o medicamento só pode ser comercializado, vendido, com receita médica, que são retidas nas farmácias e têm rigoroso controle no uso.

Este medicamento age no cérebro, tendo uma ação sedativa, analgésica ou estimulante podendo causar tolerância, dependência e riscos à saúde física e psíquica dos seus usuários.

No artigo anterior, abordei sobre a necessidade de uso destes fármacos em situações restritas, criteriosamente indicadas pelo profissional médico, no trato de distúrbios neuropsíquicos que afetam muitas pessoas que, expostas a situações estressantes e dor, podem ter afetados seu equilíbrio e o bem-estar psicoafetivo e emocional de forma moderada ou grave; sendo necessária intervenção médica e farmacológica imediata.

Dados recentes indicam que o Brasil registra números impressionantes do uso dos remédios de uso controlado, os chamados tarja preta, usados para controle de ansiedade: “a cada hora, em média, 5.144 caixas são vendidas nas farmácias e drogarias, um total de 123,5 mil caixas por dia”. Este é um levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que demonstra que, entre 1° de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2021”.

Sim, mas afinal do que se trata o “Tarja Branca”?

Veja, eu comecei a utilizar o termo “Tarja Branca” há alguns anos em meu “setting terapêutico”, leia-se consultório”, inspirado em um documentário homônimo, com o mesmo nome, disponível do YouTube (veja link no final), que traz depoimentos fantásticos sobre a infância vivida e ato de Brincar. Vale muito a pena assistir!

Neste documentário podemos perceber e constatar o quanto nos afastamos da nossa porção Criança, deste “fio de plenitude, e de uma potência existencial que habitou em uma infância remota. Essa potência infantil é diluída com o passar do tempo e, muitas vezes, pode ter sido sufocada e silenciada pelo contexto familiar e social repressor e violento, como também pela chamada busca do “desejo produzido fora do eu” – abordado no artigo anterior a este escrito aqui no Digaí Feira.

O documentário propõe um olhar e uma luz para a nossa infância, estimulando lembranças do espírito lúdico, livre e pleno deste “eu criança”. Nesta época passada, há o abrigamento de potências e potencialidades inatas que se perdem no “processo de adultização” que tem sido cada dia mais precoce e impositivo. O vídeo abre um espaço discursivo para que essa criança adormecida esteja mais presente no nosso cotidiano, nas nossas vidas e nas relações com o outro. Há falas comoventes e alertas preciosos!

Uma infância feliz e de vivências afetivas acolhedoras e validadoras, é de uma riqueza extraordinária que reflete sobremaneira em nosso modo de ser, de se comportar e estar no mundo e para o mundo. Por outro lado, uma infância conflituosa e turbulenta pode deixar marcas e cicatrizes psíquicas profundas na vida adulta e, via de regra, manifestando-se no aqui-agora de forma inconsciente e adoecedora- uma criança ferida pode ferir outras, sofrer e trazer sofrimento durante a vida adulta!

Talvez não percebamos, mas estamos expostos a vários estímulos externos que nos impõem “quereres” e desejos a todo momento e, neste cenário, assumimos um papel de seres desejantes e desejosos, somos conduzidos e manipulados para o Ter, ao ter mais e mais… Este ser desejante está vinculado a um ter objetal (ter coisas e as coisas nos ter), estando subjacentes o material, o ter mais, pode sugerir ganhos imateriais (reconhecimento, prestígio, validação, fama, poder e etc.).

O ser possuidor pode se tornar um tirano, um ser afetado patologicamente, a medida em que a diminuição do senso ético e moral, mas, sim, demonstra um indivíduo sem e escrúpulos empatia que vai elegendo outras pessoas enquanto extensão de suas posses.

Este outro possuidor das coisas- objetos, está na ponta da grande violência contra as mulheres, as crianças, os negros, os gays e por aí vai. Podem ser vítimas e ao mesmo tempo algozes de um sistema social alienador que adoce grande parte de nós. Mas temos o arbítrio e a escolha de ser e fazer diferente!

Cabe uma provocação pertinente: Em algum momento você já se perguntou: por que eu quero isso? por que eu desejo isso? eu necessito disso???

Querer e desejar tem significâncias distintas e a necessidade é o fiel da balança que determinará um possível desfecho final: a real necessidade de satisfação do desejo!

Uso em minhas sessões de terapia a metáfora do “guarda-roupas” na qual proponho que a pessoa possa abri-lo e analisar quais as roupas e acessórios que são realmente essenciais, necessários, para seu dia a dia. O “guarda-roupas” é seu eu interior, mas também cabe fazer de fato esse exercício com o seu móvel e ver o que não serve- desapegar!

Constatam que têm mais do realmente seria necessário para ter uma vida menos tensa, ansiosa e angustiante. Com isso, cabe traçar um paralelo com os afetos: quais os sentimentos que escolhemos carregar e que são desnecessários, são um fardo e não tornam a vida melhor?!

Retomando o Tarja Branca, no documentário há um depoimento muito provocativo de um dos seus participantes quando fala: “Você tem que lembrar do menino que você foi, e perguntar: o que você fez de mim?” Pergunto, o que você está fazendo de você, o que fez com seu menino, “a criança” que habita em você?! Pode ser inquietante acessar essa “criança adormecida” e o que foi feito dela.

Na contemporaneidade há todo um conjunto de estímulos e manipulação que visam antecipar o futuro e, neste contexto, as crianças estão expostas a um processo de amadurecimento precoce: crianças que deveriam estar vivendo a plenitude da infância já são impelidas e moldadas enquanto “miniaturas de adultos” – um projeto estereotipado de um adulto projeto pelo outro.

Já passei de meio século de vida, vivi um pouco menos este contexto de querer trazer o futuro para o presente, e na contemporaneidade há essa profusão absurda de informações e “oferta de desejos” que induzem a uma percepção aumentada da velocidade do tempo, contraposta com a satisfação das necessidades crescentes de antecipar quase tudo para ontem.

Percebemos que estamos nos tempos do “performar” (executar e efetivar) com o máximo de excelência no menor tempo possível, onde não há lugar para “o erro, a decepção, o sofrimento e o fracasso. Não há lugar para “perdedores…”. Já se nasce com todo um plano de vida a ser operacionalizado, prescrito pelo outro para sua satisfação na qual ocorre o que a Psicologia denomina de “Projeção”; transferência de algo (in)desejável na qual se atribui valores e características positivas ou negativos para um outro. Quem nunca ouviu alguém dizer: “eu quero que você seja o que eu não fui, que tenha o que não consegui ter”!

Romper com o que está posto pode ser uma grande sacada para mudar o rumo das nossas vidas e, certamente, a Tarja Branca é a reavivar a melhor parte desta criança que fomos no passado, conectando-se ao “fio condutor da fonte lúdica” que nos liga ao menino(a) de outrora. Explorar as possibilidades do nosso entorno e facilitar que este “eu criança” aflore e seja capaz de viver plenitudes prazerosas; antidoto contra ao adoecer do corpo, da mente, da alma e do espírito.

A proposta é lançar um olhar para “o Brinquedo, o Brincar e o Brincante”, elementos intrinsicamente interligados na busca do prazer e satisfação nas coisas simples da vida: dançar; ouvir música; ler um bom livro; assistir a um bom filme; estar perto de quem se ama; brincar com seus filhos; brincar sozinho; praticar esportes e atividade física; rir dos seus desacertos e fracassos (bom humor); valorizar e vibrar com as pequenas conquistas; se desapagar das telas e redes sociais. Enfim, trazer para seu cotidiano pequenas coisas que tragam prazer, satisfação, paz, alegria e esperança para o “presente do futuro”.

Sair desta bolha, “pensar fora da caixinha”, é muitas vezes um caminho bem difícil, mas é possível de se caminhar. Fazendo isso, você pode até “adoecer”, em algum momento sempre adoecermos, mas, certamente, estaremos muito mais aptos para enfrentar o adoecimento e operar a cura. Então, deixe que aflore este “eu criança” que vive em você: conectar-se a criança que habita em você é fundamental para uma vida mais alegre e feliz- boas doses de Tarja Branca para todos nós!

José Luiz Lima/Psicólogo/CRP 03/13239/Mestre em Critica Cultural – UNEB – Campus II/Fone/WhatsApp: (75) 9 9921-0868/E-mail: [email protected]

FONTE:

1. IMAGEM: https://sensocrv.com.br/noticias/artigos/31-informacoes-gerais/68-o-valor-do-brincar-no-olhar-do-adulto

2. https://www.istoedinheiro.com.br/ansiedade-brasil-vende-123.

3. https://www.youtube.com/results?search_query=tarja+branca+filme+completo

2 COMENTÁRIOS

  1. obrigada ao psicologo Zé Luiz, por compartilhar esse texto tão belo, impactante e necessario nos dias de hoje. No seu artigo anterior ” Psicologo para mim? Não sou maluco” você traz muitas coisas interessantes e dentre elas uma frase de Gustav Jung, a qual nos diz que ” quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta” e nesta sua prosa “Tarja branca, medicamento sem contraindicação” você nos desperta com carinho para esse olhar para dentro de nós, do que de fato é importante e nos traz alegria. texto excelente, prazeroso, relevante e, insisto , tão necessario para nós que preciamos como diz você de boas “doses de Tarja Branca”.

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