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quinta-feira, 12 dezembro, 24
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“Um dia de domingo” na tarde de sábado

Foi num final de tarde de sábado. Aquela escuridão azulada, típica do entardecer, já se irradiava pelo céu de nuvens acinzentadas. No Cruzeiro, as primeiras sombras envolviam as árvores esguias, o casario acanhado, os pedestres vivazes, os automóveis que avançavam pelas cercanias. No bar antigo – era escuro, piso áspero, paredes descoradas, mesas e cadeiras plásticas – a clientela espalhava-se pelas mesas, litrinhos e litrões esvaziando-se com regularidade. Foi quando o aparelho de som lançou a canção inesperada:

“…Eu preciso te falar,
Te encontrar de qualquer jeito
Pra sentar e conversar,
Depois andar de encontro ao vento”.

Na mesa da calçada, um sujeito de camiseta regata e bermuda de surfista suspendeu a ruidosa conversa, esticou as pernas, sacudiu os pés enfiados numa sandália de dedo. Os olhos percorriam as árvores, a torre da igreja do outro lado da praça, os táxis estacionados. No que pensava? Difícil descobrir. Mas contraiu o rosto numa careta breve, uma expressão sonhadora dominou-o por alguns instantes, enquanto a música escorria.

“Eu preciso respirar
O mesmo ar que te rodeia,
E na pele quero ter
O mesmo sol que te bronzeia” 

Detrás do balcão uma mulher, jovem e ágil, cabelos compridos, lavava os copos americanos na pia do botequim. Ensaboava-os, metia-os sob a torneira aberta, sacudia-os e, por fim, dispunha-os numa  bandeja metálica. A mente, no entanto, parecia divagar com a canção, os olhos não viam a pia grosseira, os copos ordinários, a bandeja fosca, a tarefa enfadonha. Resgatava – quem sabe? – uma paixão antiga, um amor adolescente, até recente, pois era jovem ainda.

“Eu preciso te tocar
E outra vez te ver sorrindo,
E voltar num sonho lindo”

Numa mesa lateral o sujeito de carapinha branca também se entretinha com a canção. Será que recordava mulheres remotas, imaginando como estavam naquele fim de tarde de sábado? O fato é que suspirou e esticou o beiço, acariciando o copo americano. Do seu lado, o parceiro de copo, de cabeleira encanecida, vasta, e feições envelhecidas, até arriscou cantarolar, baixinho.

“Eu preciso descobrir
A emoção de estar contigo,
Ver o sol amanhecer,
E ver a vida acontecer
Como um dia de domingo”. 

Madura, a mulher que servia a clientela, limpava mesas, atendia pedidos e anotava o valor da conta num pequeno bloco de papel pardo, retangular, também se entreteve por alguns instantes, bem do lado da caixa de som. Por breves momentos – logo foi interrompida por uma solicitação qualquer – ela mergulhou em suas recordações, a música lançando-a em misteriosos pensamentos. O olhar, profundo, demonstrava a intensidade das lembranças. Mas foi logo atender o pedido, o movimento era incessante na tarde de sábado.

“Faz de conta que ainda é cedo,
Tudo vai ficar por conta da emoção
Faz de conta que ainda é cedo,
E deixar falar a voz do coração.”

O refrão da canção de Sullivan e Massadas – a clássica gravação de Gal Costa e Tim Maia é de 1985 – espraiava-se pela calçada, ia morrer sob as sombras crescentes das árvores na praça. Por fim, a música acabou e por alguns instantes prevaleceu uma angústia difícil até de descrever. Mas logo veio um reggae – é o ritmo clássico das tardes de sábado na Bahia – e todo mundo recobrou o fôlego, imergindo, então, nos embalos da noite de sábado, que começava…

Por André Pomponet

 

 

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